Câncer colorretal inicial: estamos ignorando as pistas?

Toni L. Kamins, MA
NOTIFICAÇÃO
12 de abril de 2017

Em 2012, a professora Kristen McRedmond era o retrato da saúde; em fevereiro de 2017 ela estava morta. Só com esse fragmento de informação a história não parece de todo incomum, mas Kristen tinha apenas 38 anos quando morreu e a causa da morte foi câncer colorretal (CCR). [1]
Josh Lambeth voltou ao seu médico de família muitas vezes ao longo de três anos com o mesmo  sangramento retal. O médico disse que ele era saudável, atribuiu o sangramento a hemorroidas e disse que aos 30 anos ele era muito jovem para que fosse alguma coisa grave. Até o gastroenterologista pensou que não seria nada além de síndrome do cólon irritável ou colite ulcerativa. Mas os resultados da colonoscopia se revelaram bem mais devastadores: câncer retal de estágio II. E Josh tinha somente 31 anos de idade. [2] 
Claro, praticamente qualquer doença pode afetar quem não faz parte da população habitual afetada, mas o câncer colorretal em adultos mais jovens já não é mais incomum e, de fato, tornou-se comum o bastante para adquirir uma nomenclatura específica. Na verdade, embora o câncer colorretal geral venha
diminuindo nos Estados Unidos há décadas, sua incidência tem aumentado drasticamente entre as pessoas com menos de 50 anos. O mais importante para todos os participantes é a absoluta necessidade da detecção precoce.

O Third Annual Early Age Onset-Colorectal Cancer (EAO-CRC) Symposium , realizado recentemente no NYU Langone Medical Center, em Nova York, ofereceu uma oportunidade para pacientes, médicos, pesquisadores e profissionais de saúde discutirem e debaterem várias questões relacionadas com o atendimento e o tratamento desta doença. Mas, o mais importante para todos os participantes é a necessidade absoluta de detecção precoce. Um artigo de fevereiro de 2017 publicado no periódico Journal of the National Cancer Institute (JNCI) [3] apresenta alguns números preocupantes:

… os índices de incidência do câncer de cólon aumentaram de 1,0% para 2,4% por ano desde meados da década de 80 entre os adultos de 20 a 39 anos, e de 0,5% a 1,3% desde meados da década de 90 entre os adultos de 40 a 54 anos; os índices de incidência do câncer retal têm aumentado mais e mais rápido (por exemplo, 3,2% por ano de 1974 a 2013 entre adultos com 20 a 29 anos de idade).

Desde 1974, a incidência de câncer retal entre os adultos de 55 anos de idade ou mais diminuiu. Desde meados dos anos 80, o mesmo acontece com o câncer de cólon. Mas entre 1989 e 1990 e 2012 e 2013, os índices da incidência de câncer retal entre adultos dos 50 aos 54 anos de idade aumentou de metade da incidência da faixa etária dos 55 aos 59 anos, até tornar-se equivalente (24,7 vs. 24,5 por 100.000 pessoas: incidence rate ratio(IRR) = 1,01; intervalo de confiança, IC, de 95%, de 0,92 a 1,10). Ao mesmo tempo, o número de diagnósticos de câncer retal nos pacientes com menos de 55 anos  dobrou, indo de 14,6% (IC de 95%, de 14,0% a 15,2%) para 29,2% (IC de 95%, de 28,5% a 29,9%). [3]
O câncer colorretal aumentou significativamente entre as pessoas com menos de 50 anos de idade.

Como resultado, as pessoas nascidas depois de 1990 têm aproximadamente o dobro do risco de  apresentar câncer de cólon durante a juventude do que as pessoas nascidas em 1950 (incidence
rate ratio = 2,40; IC de 95%, de 1,11 a 5,19) e um risco quatro vezes maior de câncer retal precoce (incidence rate ratio = 4,32; IC de 95%, de 2,19 a 8,51). [3]
Conclusão? Embora a causa ou as causas deste aumento sejam desconhecidas, o câncer colorretal aumentou significativamente entre as pessoas com menos de 50 anos, e o aumento do câncer colorretal
entre os adultos jovens na faixa dos 20 e 30 anos é alarmante. Conexão com a atenção primária.

A detecção precoce é onde o médico do atendimento primário desempenha um papel crucial. 
Para os médicos da atenção primária o aumento do número de diagnósticos de câncer colorretal levanta muitas questões e preocupações: quando rastrear, como aprimorar a atenção aos sinais e sintomas, a necessidade de fazer anamneses melhores e mais pormenorizadas em termos de história familiar, e o reconhecimento de que o encaminhamento ao gastroenterologista para a realização da colonoscopia não deve ser descartado, mesmo quando o paciente for jovem.

A lição aprendida no simpósio foi a seguinte: quando houver sinais ou sintomas de câncer colorretal, independentemente da idade do paciente, é importante não descartá-los ou atribuí-los a causas mais
benignas simplesmente porque o paciente tem menos de 50 anos, ou de 30 anos, ou, infelizmente, até menos de 20 anos.
Dr. Joshua Raff, diretor do Digestive Cancer Program no White Plains Hospital, em Nova York, que participou do simpósio, disse ao Medscape que “as atitudes nos casos dos pacientes jovens sintomáticos, por exemplo, com sangramento gastrointestinal ou alteração dos hábitos intestinais, são importantes. Isso requer mais atenção por parte dos médicos da atenção primária, de modo a permitir que considerem o encaminhamento para o gastroenterologista mais rapidamente”. Além disso, disse Dr. Raff, “os gastroenterologistas precisam ficar mais atentos à possibilidade de tumor maligno digestivo nos pacientes mais jovens, quando encaminhados”. A história familiar também deve ser mais rigorosa e atualizada com regularidade, talvez anualmente. Mas uma história familiar negativa não se contrapõe à necessidade de realizar uma investigação diagnóstica dos sinais e sintomas preocupantes. Fazendo conexões para a detecção precoce.

Síndrome de Lynch. No caso do câncer colorretal, a história familiar é vital. Embora “a maior parte dos casos de câncer colorretal seja esporádica”, acredita-se que cerca de “3% a 5% de todos os casos de
câncer colorretal sejam decorrentes da síndrome de Lynch, de acordo com a Cancer.Net”. [4]
A Cancer.Net lista os seguintes fatores que podem sugerir síndrome de Lynch, mais uma vez demonstrando o papel crítico da história familiar na anamnese para o diagnóstico mais precoce possível do câncer colorretal:

Ter câncer colorretal com menos de 50 anos de idade;

  • Ter câncer colorretal e outras neoplasias de endométrio, útero, estômago, ovário, intestino delgado, pâncreas, trato urinário, rim ou ducto biliar relacionadas com a síndrome de Lynch, separadamente ou ao mesmo tempo;
  • Ter câncer colorretal com características tumorais ligadas à síndrome de Lynch com menos de 60 anos; 
  • Câncer colorretal em um ou mais parentes de primeiro grau que também têm ou tiveram algum outro câncer relacionado à síndrome de Lynch, com um desses tipos de câncer antes dos 50 anos de idade; e
  • Câncer colorretal em dois ou mais parentes de primeiro ou de segundo
    graus com outro câncer relacionado à síndrome de Lynch.

Se um paciente apresentar sintomas sugestivos de câncer colorretal, e houver história familiar de câncer, convém encaminhar a um geneticista, além de ao gastroenterologista.

Modificando as diretrizes de rastreamento.

Cindy Borassi da Colon Cancer Challenge Foundation disse que a National Colorectal Cancer Roundtable EAO-CRC Task Force está encabeçando a elaboração de um adendo à ferramenta de rastreamento do câncer colorretal Clinician’s Toolbox and Guide. Isto “irá oferecer um modelo lógico e os passos específicos de implementação necessários para transformar a prática clínica, a fim de aprimorar a obtenção da história familiar”. Os defensores das antigas estratégias de detecção esperam que isso aumente o rastreamento do câncer colorretal para os pacientes com risco familiar ou genético, e favoreça a realização dos exames diagnósticos para os jovens adultos que apresentam sintomas.

“O objetivo”, segundo ela, “é o de preencher a lacuna de conhecimento e fornecer uma ferramenta detalhada do passo-a-passo da conduta” para os profissionais de saúde, de modo que eles possam melhorar a obtenção dos dados da história familiar, bem como agir adequadamente de acordo com a
informação obtida. Os autores do artigo publicado no Journal of the National Cancer Institute explicam que “reverter essas tendências crescentes entre os adultos com 50 a 54 anos de idade exige não só uma melhor adesão às diretrizes de rastreamento, mas também realizar o rastreamento antes dos 50 anos de idade, porque o benefício pleno da polipectomia na prevenção do câncer colorretal requer cerca de uma década para ter efeito”. [3] 
Embora as evidências que embasam o rastreamento dos pacientes com menos de 45 anos de idade ainda não tenham sido corroboradas, Dr. Siegel e colaboradores [3] observam que em 2013 houve cerca de 10.400 novos casos de câncer colorretal diagnosticados entre adultos dos 40 aos 49 anos de idade
e 12.800 casos no grupo dos 50 aos 54 anos. 

O artigo continua falando da Cancer Intervention and Surveillance Modeling Network (CISNET): Iniciar o rastreamento aos 45 anos de idade é “mais eficaz e viabiliza um equilíbrio mais favorável entre os anos de vida ganhos e o ônus de iniciar o rastreamento aos 50 anos de idade. O rastreamento endoscópico pode ser particularmente útil na luta contra o fluxo de tumores no segmento distal do cólon e no reto, que são preponderantes nos pacientes jovens”. [3]
Aos 44 anos, Stacy Hurt não tinham fatores de risco quando o recebeu o diagnóstico de câncer de fase IV no reto, fígado, pulmões e linfonodos. No simpósio, ela contou ao Medscape que o câncer de cólon foi a última coisa de que sua médica suspeitou, e disse que ainda lembra dela dizendo que “provavelmente é síndrome do intestino irritável ou são hemorroidas internas. Mas vamos pedir uma colonoscopia só para ter certeza”.

Stacy quer que os médicos pensem nas colonoscopias da mesma forma que pensam em outros exames diagnósticos. “Quando uma mulher vai à consulta com o seu médico, não importa qual seja a idade dela, se ela tiver um caroço no seio a primeira coisa que o médico faz é solicitar uma mamografia para descartar câncer de mama. Se uma pessoa vai à consulta com queixa de cefaleia, vertigem e turvação visual a primeira coisa que o médico faz é solicitar uma tomografia computadorizada para descartar um tumor cerebral. Mas Stacy observou que quando uma pessoa vai à consulta com queixa de dor abdominal, sangue nas fezes e fadiga, por alguma razão, os médicos hesitam em solicitar a colonoscopia. “Por quê”? Indagou. “É quase como se eles achassem que poderia ser qualquer outra coisa”. Eu tinha 44 anos, compleição atlética, não era fumante, tinha um peso normal e, fora as queixas, estava perfeitamente saudável.

Eu não me encaixava no perfil do “paciente com câncer de cólon”. Stacy é grata ao fato de sua médica não ter hesitado em solicitar o exame porque essa colonoscopia a salvou. Mas ela conversa sempre com outros pacientes e sabe que existe uma hesitação por parte dos médicos e que os erros diagnósticos são muito comuns.

“Os pacientes precisam conhecer os próprios corpos e perceber quando algo não está normal. Precisam agir, procurar o médico, e se tornar ativistas na condução do próprio tratamento”. Os médicos podem ajudar neste processo, formulando as perguntas certas, ouvindo em busca de pistas, enviando lembretes sobre como manter consultas regulares e encaminhando os pacientes para outros especialistas.

Referências

1. Pasquantonio, V. Kristen was the picture of health. She died of colorectal cancer at 38. 7 de março de 2017. 
PBS.org. https://www.pbs.org/newshour/updates/kristen-picturehealth-died-colorectal-cancer-38/
Acessado em 15 de março de 2017

2. Marsilje T. Josh Lambeth: Advocacy, faith, and a guardian angel. 
colonclub.com. https://colonclub.com/2017-featuredsurvivors/josh-lambeth/
Acessado em 17 de março de 2017.

3. Siegel RL, Fedewa SA, Anderson WF, et al. Colorectal cancer incidence patterns in the United States, 1974–2013. J Natl Cancer Inst. 2017;109(8): DOI: 10.1093 / JNCI / djw322

4. Cancer.Net Conselho Editorial. Lynch syndrome. 2014. https://www.cancer.net/cancer-types/lynchsyndrome Acessado em 23 de março de 2017.